sexta-feira, 10 de julho de 2009

Escudo desbotado

Voltava pra casa, hoje, sábado, finalzinho de tarde; alguma coisa me chamou a atenção no Eco Sport à minha frente. Como já era hora de lusco-fusco, me aproximei da traseira do SUV cabloclo, pra tentar ver melhor, e vi: um escudo do Fluminense pregado no parabrisa traseiro, mas tão desbotado que quase não dava pra reconhecer.

Quase tão desbotado quanto o coração tricolor que carrego no peito, cujo desbotamento explica porque há tanto tempo não posto nada no blog.

Vocês sabem que meu maior medo desportivo é ver o Fluzão desbotar tanto no panorama do futebol nacional, ao ponto de virar uma Portuguesa de Desportos, um América do Rio, um daqueles times que um dia foi grande, mas ninguém mais lembra quando isto aconteceu.

Dito isso, e pra levantar o astral, quero compartilhar com vocês uma alegria, dessas de carregar outra vez de cor os escudos tricolores desbotados que existam por aí, inclusive, e principalmente, o que carrego no coração.

A alegre foi um presente que recebi, sem aviso prévio, de um querido amigo, José Expedicto Prata, para quem endereço agora um baita agradecimento público. E que presente: uma edição original, de capa dura, do livro "Fla-Flu ... e as multidões despertaram", todo com crônicas de Nélson Rodrigues e de seu irmão, Mário Filho (sim, aquele mesmo, o do Maracanã), organizado por Oscar Maron Filho e Renato Ferreira (Rio de Janeiro, Edição Europa, 1987).

Obrigado, Prata.

E para vocês, meus amigos e amigas tricolores, reproduzo abaixo uma das minhas crônicas favoritas, pela beleza da metáfora imaginada pelo Nélson: "A Grã-Fina das Narinas de Cadáver".

"Amigos, pensam vocês que o futebol tem a simplicidade dos outros esportes. Não, não tem. Não é apenas técnico e tático como os outros. O futebol é mágico. Quantas vitórias, quantas derrotas, desafiam todo o nosso raciocínio e toda a nossa experiência?
Vocês se lembram de 50 e quem não se lembra de 50? O Brasil não podia perder. Técnica e psicologicamente estava em condições muito superiores às do adversário. Só a presença da nossa torcida (duzentos e cinquenta mil brasileiros) bastava, ou devia bastar para esmagar o Uruguai. Mas perdemos o jogo. Não podíamos perder e perdemos. Aconteceu o seguinte: - vitoriosa, a 'Celeste" ainda fez a volta olímpica. Tivemos que aplaudir a nossa própria humilhação. Pois este episódio negro na nossa história esportiva foi um milagre contra nós, um milagre pró-Uruguai.
Aí está dito tudo: - há milagres no futebol. E a reação da torcida é a mais imprevisível. Amanhã, há um Fla-Flu, mais um Fla-Flu. É um clássico que magnetiza toda a cidade. Ontem, encontrei-me com a grã-fina das narinas de cadáver. Ela veio para mim, feliz no encontro. Disse: - 'Vou ao Fla-Flu'. Imaginem vocês que, outro dia, ela me entra no Mário Filho e pergunta: "- Quem é a bola?" Não sabia quem era a bola, mas era tocada pela magia do Fla-Flu. Sabe quem é o Fla-Flu e não sabe quem é a bola.
Venho acompanhando o destino do clássico, desde a minha infância profunda. Naquele tempo, era Flamengo x Fluminense. Foi Mário Filho que alguns anos depois criou o diminutivo fascinante: - Fla-Flu. Eu queria dizer que o Fla-Flu apaixona até os neutros. Ou por outra: - diante do formidável clássico não há neutros, não há indiferentes. Há sujeitos que não gostam do Fluminense, não gostam do Flamengo, mas estão lá. Encontrei um desses, no último Fla-Flu. No intervalo, fui tomar um café. No caminho, vi o meu conhecido num canto, estrebuchante. E mais: - babava na gravata. Aquilo me escandalizou: - 'Ô rapaz! Você não é Flamengo não é Fluminense. Estás torcendo por quem?' Arquejou: - 'Torço contra os dois'. Mas, torcia o desgraçado ...
Não interessa que seja ou não um grande jogo. Só as partidas medíocres precisam ter qualidade. O Fla-Flu vale emocionalmente. Ou por outra: - é Fla-Flu e basta."



Como ficar de baixo astral? como não ver todos os escudos, mesmos os mais desbotados, brilhando de verde, branco e grená? como pensar que o Fluzão deixará um dia de ser tão grande como sempre foi?

Um clube e seu time que tiveram um dia o Nélson Rodrigues como seu mais ilustre cronista e torcedor está fadado à glória eterna.

Sou Flu. E basta!

Um comentário:

Rogério Tomaz Jr. disse...

Que a alegria e o ânimo pelas três cores que traduzem tradição estejam sempre presentes, na vida e neste espaço!
Essa expressão "babar na gravata" era muito comum nos textos dele. Lembrei de cara de "A vergonha", sobre o fiasco de 66, do qual reproduzo a introdução:
"Amigos, eis 80 milhões de brasileiros numa humilhação feroz. Eu diria que a vergonha de 50 foi mais amena, mais cordial. Naquela ocasião, não tínhamos o bicampeonato. Ainda não se instalara em nosso futebol o mito Pelé. Ah, o brasileiro de 50 era um humilde de babar na gravata. Quando passava a carrocinha de cachorro, cada um de nós tinha medo de ser laçado também."
[...]