sábado, 12 de setembro de 2015

Texto que todos nós tricolores temos que ler, escrito por Marcelo Teixeira, gerente geral das nossas divisões de base. Obrigado, Teatini.

A estratégia por trás de um título: Fluminense Campeão Brasileiro Sub-20 Invicto

11 de set de 2015
Resolvi escrever esse texto a fim de mostrar, principalmente para aqueles que não trabalham diretamente com o futebol, a abrangência que pode alcançar um trabalho voltado para a conquista, invicta, de um título de relevância nacional. O primeiro Campeonato Brasileiro Sub-20 da história nesse formato um pouco mais longo.
Antes de mais nada importante destacar que não consideramos o trabalho desenvolvido nas divisões de base do Fluminense melhor do que o de nossos concorrentes. De forma alguma. Algumas coisas que fazemos são diferentes do que é feito por nossos concorrentes. Mas isso não quer dizer que somos melhores ou piores, apenas fazemos diferente. Entretanto, temos nossas crenças, ideias, valores, missão, filosofia e metodologia que nos guiam naquilo que fazemos em nosso dia a dia.
Hoje no Brasil muitos clubes têm profissionais altamente qualificados trabalhando a frente das divisões de base. Profissionais qualificados, dedicados e competentes.
Necessária essa introdução, por que no último sábado o Jornal O Globo publicou uma afirmação minha que não é verdadeira onde eu supostamente teria dito que não considero Flamengo e Vasco como concorrentes da base do Fluminense. Tenho um grande respeito por essas duas agremiações, pelos profissionais que trabalham nelas e principalmente pelo trabalho que ambas vem realizando nos últimos anos. Considero inclusive que atualmente o Flamengo possui um dos melhores trabalhos de base do Brasil e certamente no médio prazo irá colher frutos por conta desse trabalho.
Ainda antes de entrar no assunto principal é preciso dar destaque para duas pessoas que certamente tiveram um alto grau de importância na conquista desse Campeonato Brasileiro sub-20:
1 - Presidente Peter Siemsen – desde que assumiu a presidência do Fluminense em 2011 foi um visionário, entusiasta, empreendedor e grande incentivador do trabalho realizado nas divisões de base do clube. Se não fosse por ele certamente Xerém não estaria no atual estágio.
2 - Fernando Simone – Diretor Executivo de Futebol do Fluminense que esteve à frente das divisões de base do clube entre 2011 e 2014. Foi ele o grande responsável por reorganizar o trabalho e preparar as fundações para sustentar o trabalho que hoje vem sendo executado em Xerém.
Outros excelentes profissionais passaram pelas divisões de base do Fluminense nos últimos anos e certamente tem sua parcela de contribuição nessa conquista.
Feita essa breve introdução, passamos ao assunto máster desse texto: A estratégia por trás do título.
Por se tratar do primeiro Campeonato Brasileiro Sub-20 da história num formato mais prolongado, com jogos em todas as partes do Brasil e um forte suporte da CBF (como por exemplo passagens aéreas, excelentes hotéis e alimentação), muitos consideraram que esse foi o primeiro Campeonato Brasileiro Sub-20 de todos os tempos.
E dentro desse cenário de ineditismo a conquista invicta do Fluminense pode ser realçada com números impressionantes: 10 vitórias e 2 empates; ataque mais positivo, defesa menos vazada e artilheiro do campeonato.
Olhando para uma campanha como essa podemos imaginar que existiu um trabalho por de trás disso. Um trabalho diferente como falei acima. E são os pontos principais desse trabalho que desejo compartilhar nesse texto.
Podemos considerar como principais pilares do trabalho que executamos para a conquista desse título os seguintes pontos (a ordem abaixo não significa grau de importância):
- Filosofia de Jogo e Metodologia de Formação de Atletas;
- Estratégia;
- O Comandante;
- Projeto Internacional.
FILOSOFIA DE JOGO E METODOLOGIA DE FORMAÇÃO DE ATLETAS
Em 2014 surgiu uma oportunidade para promover ao cargo de coordenador técnico das divisões de base do Fluminense o então treinador da equipe sub 20 Marcelo Veiga.
Numa decisão pensada por mim e pelo Fernando Simone e prontamente acatada pelo presidente Peter, promovemos Marcelo Veiga ao cargo de coordenador técnico das divisões de base do Fluminense.
Marcelo Veiga, que tive o orgulho de levar para o Fluminense a mais de dez anos atrás por ser uma referência no esporte na minha cidade natal Petrópolis, tem uma carreira que imagino que deve ser quase única em se tratando de divisões de base no Brasil. Iniciou como treinador da equipe sub 11 do Fluminense. Passou pelo sub 13, sub 15, sub 17 e sub 20 até se tornar coordenador técnico. Foi muitas vezes campeão em todas essas categorias. É o técnico com mais títulos na base do Fluminense e dificilmente será igualado no futuro.
No momento que o Marcelo Veiga assumiu como coordenador técnico das divisões de base do Fluminense, eu e Fernando Simone demos a ele a incumbência de desenvolver e implantar uma filosofia de jogo e metodologia de formação de atletas para a base do Fluminense. Tarefa árdua e complexa levando-se em consideração a dificuldade que envolve um trabalho que conta com mais de 350 meninos, diversos profissionais na área técnica, captação de atletas, futsal e escolas de futebol (guerreirinhos).
E pouco mais de um ano depois do início do trabalho desenvolvido pelo Veiga podemos afirmar que hoje a base do Fluminense tem uma Filosofia de Jogo e uma Metodologia de Formação de Atletas.
Numa visita recente que fiz ao Barcelona tive a oportunidade de conhecer bem o responsável e a metodologia do clube espanhol. Metodologia essa que levou anos para ser desenvolvida, implementada, assimilada e aperfeiçoada. Nosso trabalho nesse sentido tem apenas um ano, muito pouco tempo ainda, mas não tenho dúvida nenhuma (ainda mais depois de conhecer o que faz um dos melhores clubes do mundo) que estamos na direção certa.
ESTRATÉGIA
Sem estratégia é possível vencer batalhas, mas é impossível vencer uma guerra. E foi pensando dessa forma que tomamos duas decisões importes antes de começar o torneio:
1 – Foco no Brasileiro Sub-20 – por não termos um calendário nacional para as divisões de base no Brasil o Campeonato Brasileiro Sub-20 (com jogos durante a semana) foi disputado ao mesmo tempo que o Campeonato Carioca Sub-20 (com jogos nos finais de semana). A ideia de “abandonar” o Campeonato Carioca Sub-20 foi amadurecida por mim e pelo Veiga e foi levada ao presidente Peter que de imediato aceitou os argumentos apresentados e deu total suporte a ideia. Fomos claros com o presidente que possivelmente teríamos uma campanha muito ruim no estadual por conta da equipe que usaríamos ser bem mais nova que a idade permitida.
Certamente essa decisão nos deu uma vantagem sobre alguns rivais que se desdobram na disputa de duas competições ao mesmo tempo.
Se queremos melhorar o processo de formação de atletas no Brasil precisamos ter uma melhor organização e um calendário diferente para a base.
Eu como gestor da base do Fluminense quero que meus atletas, dentre outras coisas, joguem em grandes estádios, com gramados de qualidade e principalmente enfrentem adversários de nível elevado. Hoje a realidade para o Sub-20 no Brasil é jogar torneios estaduais a maior parte do tempo e torneios relevantes a menor parte do tempo. É preciso inverter esse cenário para termos avanço na formação de atletas no Brasil.
2 – Utilização de atletas que estavam incorporados ao profissional e sem chances de jogar
O campeonato brasileiro Sub-20 permitia a escalação de até 3 atletas com idade superior a 20 anos. Eu sou um defensor ferrenho, todas as vezes que tenho oportunidade levanto essa questão, de que temos que criar no Brasil a categoria Sub-23, com um calendário adequado de competições regulado pela CBF, a fim de permitir aos clubes que se faça um trabalho de transição do Sub-20 para profissional de uma forma mais adequada.
Esse processo ocorre no mundo inteiro (incluindo países da América do Sul), com variações de sistemas dependendo do país (equipes B por exemplo). Eu considero essa questão um dos pontos mais graves em relação ao processo de formação de atletas no Brasil. E um ponto completamente fora do controle dos clubes apesar de algumas iniciativas isoladas, mas que acabam não alcançando um objetivo pleno pela ausência de um calendário nacional.
Pois bem, antes de começar a competição propus ao coordenador técnico Marcelo Veiga de buscar no profissional do Fluminense três “reforços” (atletas que eu conhecia bem a qualidade do futebol e principalmente o caráter) que até então não vinham sendo utilizados: o volante Luis Fernando, o meia uruguaio Bryan Olivera e o meia Gustavo Scarpa.
Todos esses três atletas, nascidos em 1994, “estouraram” a idade Sub-20 em janeiro. Havia pouco tempo que tinham deixado a base. Eram amigos ou colegas de todos os jogadores que lá estavam na equipe Sub-20. Conheciam bem nosso sistema de jogo da base. Não seriam “estranhos no ninho”.
Foi feita uma consulta ao Diretor Executivo Fernando Simone que de pronto nos atendeu apoiou no pedido.
Mas havia uma exigência técnica que não poderia deixar de ser cumprida: os três deveriam se incorporar de forma definitiva ao grupo que se preparava para o torneio e treinar em Xerem todos os dias. O primeiro time e por consequência Laranjeiras, deveria ser esquecido a não ser que houvesse algum pedido do primeiro time.
E por conta disso não pudemos contar com o Gustavo Scarpa que naquele momento já começava a se destacar nos treinos do primeiro time.
Mas Luis Fernando e Bryan Olivera aceitaram nossa convocação e “desceram” para o Sub-20 de alma e coração e acabaram sendo peças fundamentais na engrenagem que estava sendo montada.
Ao longo da campanha tivemos que tomar uma difícil decisão que foi a liberação do Olivera para jogar na equipe do LA Galaxy, oportunidade essa que foi trabalhada por conta de nosso Projeto Internacional. Tendo total confiança nos demais atletas que tínhamos no elenco tomamos uma decisão que foi muito boa para o atleta e para o Fluminense.
Por outro lado, Luis Fernando foi peça chave na equipe, sendo um dos líderes e grande destaque da equipe que se sagrou campeã.
No seu primeiro jogo na equipe Sub-20, na corrente que é feita no vestiário momentos antes que antecedem a partida, Luis Fernando foi para o meio da roda de atletas e fez um discurso forte e emocionante, que certamente mexeu com todos os atletas, conclamando os seus companheiros a se juntarem a ele na batalha pela conquista do Campeonato.
O COMANDANTE
Logo nos primeiros meses de minha gestão da base do Fluminense, nosso excelente treinador da equipe Sub-20, Marcos Seixas, recebe uma proposta financeira irrecusável de um de nossos concorrentes. A decisão tomada era a de não cobrir a proposta para não inflacionar nosso sistema.
Temos uma ideia muito clara na base do Fluminense de sempre promover os profissionais para os cargos superiores. Salvo raras exceções, iniciamos o processo com profissionais que vem do Futsal ou que vem do processo de estagiários que é muito bem comandado pelo Coordenador Científico Marcio Assis.
E assim a ideia inicial que veio à cabeça era a promoção do treinador Luiz Felipe do Sub-17. Mas o mesmo tinha muito pouco tempo na função de treinador do Sub-17. E por isso vinha a dúvida se não era muito precipitada uma promoção desse profissional.
E numa conversa com o Fernando Simone e com o Marcelo Veiga veio a certeza de que valia a aposta no Luiz Felipe.
E com pouco tempo de trabalho tivemos a certeza que tínhamos um grande e preparado treinador para a equipe Sub-20 do Fluminense.
Fomos para a Europa e conquistamos dois torneios, Alemanha (SPAX Cup) e Holanda (Terborg), jogando um grande futebol contra grandes equipes da Europa.
E foi ao longo de cerca de quinze dias de convivência e jogos na Europa, Projeto Internacional, que começamos a desenhar e moldar a equipe base que posteriormente ganharia o Campeonato Brasileiro.
PROJETO INTERNACIONAL
Quando afirmo acima que fazemos coisas diferentes em relação aos nossos concorrentes posso mostrar com o Projeto Internacional uma dessas coisas.
Junto ao nosso Projeto Internacional temos questões atreladas como expansão da marca Fluminense e da marca do projeto de formação de atletas do clube, Plano de Carreira para os atletas, qualificação (internacional) dos profissionais e principalmente a melhoria e qualificação do ser humano (atleta) e por consequência do jogador de futebol.
Hoje temos uma crença bem clara e definida na base do Fluminense que diz: faça uma melhor pessoa e teremos um melhor jogador de futebol”.
E temos a convicção que esse processo está começando a fazer diferente na formação dos atletas da base do Fluminense.
A ideia de criar o Projeto Internacional eu tive a cerca de 3 anos atrás, quando ainda atuava como gerente de futebol do primeiro time, depois de perceber que o Fluminense começava a formar uma quantidade interessante de atletas (fruto do crescente investimento a partir de 2011) mas não havia espaço para eles no primeiro time principalmente por causa do forte investimento realizado pela antiga patrocinadora.
Coloquei então no papel a ideia que se transformou num projeto de quase 60 páginas: motivo/razão, objetivos, análise de mercado, metas, custos, possibilidades de receitas e etc.
Apresentei então o projeto para o presidente Peter que prontamente deu o seu aval.
E assim começamos um processo de trabalho que nos impulsionou em direção a um caminho como disse acima, bastante diferente.
E de uma forma ampla, a partir do Projeto Internacional diversos frutos foram colhidos: inter-temporada do primeiro time em Orlando durante a Copa das Confederações em 2013, pré-temporada e disputa do Florida Cup em 2015, parceria com Michael Johnson Performance, parceria e relacionamento com diversos clubes ao redor do mundo, parceria com o curso de inglês Brasas para aulas gratuitas para atletas e profissionais da base do Fluminense, participação em congressos internacionais, visitas a clubes em todo o mundo e etc.
Mas nosso foco principal com o Projeto Internacional era mesmo o Plano de Carreira para os atletas, qualificação (internacional) dos profissionais e principalmente a melhoria e qualificação do ser humano (atleta) e por consequência do jogador de futebol.
E foi assim que viajamos para os mais diversos cantos do mundo para disputar torneios internacionais. Sempre buscamos torneios onde nossos atletas tem a oportunidade de ficar em casas de famílias numa espécie de intercâmbio cultural.
O raciocínio é lógico: Se algumas famílias que tem condição financeira investem pesado na melhoria da educação de seus filhos através de intercâmbios no exterior, por que não poderíamos fazer o mesmo ?!?!
As viagens para o exterior permitem que nossos atletas conheçam uma nova língua, uma nova cultura, novos hábitos alimentares e etc.
E em grau de importância similar nossos atletas tem a oportunidade de jogar em gramados de qualidade excepcional, enfrentar grandes equipes do cenário mundial e principalmente vivenciar experiências técnicas, táticas e físicas completamente diferente do que vivem aqui no Brasil.
Nesse mesmo “barco” dos atletas viajam os treinadores, preparadores físicos e os demais profissionais que trabalham na comissão técnica. E os mesmos “bebem da mesma fonte” que os jogadores.
Em paralelo iniciamos o projeto de alocação de nossos atletas em clubes parceiros no exterior.
Hoje podemos dizer com orgulho que o Fluminense tem jogadores espalhados na Europa, EUA, Índia e China. Temos atacantes se destacando na artilharia nos EUA, na Finlândia e na China.
Para se ter uma noção da força e abrangência de nosso Projeto Internacional, da equipe titular que conquistou o Brasileiro Sub-20 tivemos 5 jogadores com experiência em atuar no exterior: zagueiro Ygor Nogueira na Bélgica, volante Luis Fernando nos EUA, atacante Marquinhos na República Tcheca e atacante Matheus Pato em Portugal.
E todos os demais jogadores da equipe Sub-20 tem em seu currículo, além da experiência pessoal citada acima, ao menos 15 importantes jogos internacionais o que certamente contribuiu muito no processo de formação desses atletas.
Por causa do Projeto Internacional, através do Marcel Giannecchini coordenador do  projeto, ainda tivemos a oportunidade de captar atletas estrangeiros sendo Bryan Olivera o grande destaque entre esses jogadores.
Como conclusão da apresentação dos principais pilares do trabalho que resultou na conquista do Brasileiro Sub-20 vale destacar que esses aspectos representam uma boa parte daquilo que estamos fazendo em Xerem, mas não sua totalidade.
Seria impossível discorrer num texto apenas todo o trabalho e projetos desenvolvidos atualmente em Xerém.
É importante destacar também que existe uma centena de profissionais envolvidos no processo de formação de atletas do Fluminense. Profissionais que hoje são de fundamental relevância no trabalho como: Coordenação Científica, Futsal, Captação, Psicologia, Assistência Social, Pedagogia, Nutrição, Departamento Médico/Fisioterapia, Vídeos, Guerreirinhos, Administração Geral e Manutenção do CT, Cozinha e outros.
E concluindo esse texto, podemos resumir todo esse processo de trabalho da base do Fluminense como uma grande viagem a um mundo diferente. Um mundo que hoje forma a identidade do trabalho que é realizado em Xerém. Identidade essa que está moldando e formando os profissionais e atletas da base do clube.
E no futuro teremos uma ideia mais clara dos resultados dessa viagem.......................
Marcelo Teixeira
Gerente Geral das Divisões de Base do Fluminense

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